Mailson Furtado , a palavra escrita e a geografia de sua libertação

por Pio Barbosa Neto,
professor, escritor e roteirista

“A arte de traduzir sentimentos, descrever ou recriar realidades distingue certa casta de pessoas. Alguns com maiores atributos, outros com menor porte inventivo, todos, porém, descobridores e fazedores de mundos, pequenos ou grandes, por afeição do destino ou maldição dos deuses. (Rejane Costa Barros)mvimg_20190511_120428078

A palavra marca a efetiva entrada do sujeito no mundo da linguagem e consequentemente no mundo da cultura, embora desde o nascimento e mesmo antes dele essa inserção já aconteça de certa forma. É através das palavras, na grande maioria dos casos, que escutamos as vozes daqueles que primeiro iremos amar e de todos com os quais iremos formar vínculos e conviver.

Construir palavras é agregar termos que se aglutinam num esforço desmedido e tanto em busca da unidade de sua forma.
A palavra nos situa nos diz quem somos e quem é o outro. A palavra nos lança ao olhar e ao desejo do outro. Ela marca a diferença. A palavra tem uma dimensão tentadora, tem o poder de encantar, enfeitiçar e seduzir.
A palavra escrita é um processo de libertação e, por conseguinte, aspira à liberdade. Quer dizer que o seu ponto de partida é uma recusa aos constrangimentos. Quer dizer, ainda, que os constrangimentos estão na sua gênese ou no desencadear da sua explosão, como tem sido proclamado por tantos criadores.
Palavra é uma roupa que a gente veste, uns gostam de palavras curtas, outros usam roupa em excesso”
Acredito que as palavras não são apenas palavras. As palavras não têm preconceito, elas suportam tudo. Elas criam ideias, pensamentos, relatam histórias, imagens e conceitos.
Imagino o quanto as palavras podem mudar o curso de nossas vidas ou de alguém que nos escuta.
Não à toa, que o Ceará traz em sua origem, nomes imortalizados, tais como Juvenal Galeno, Raquel de Queiroz, Patativa do Assaré, Bráulio Bessa, Aldanísio Paiva, Lucarocas, Chico Vaqueiro, dentre outros.
O Prêmio Jabuti, de 2018, foi para um cearense da cidade de Varjota, cravada no interior do sertão, trata-se de Mailson Furtado, escritor, ator e diretor teatral e cirurgião-dentista. Membro-fundador dos grupos: CIA teatral Criando Arte e Grupo Literário Pescaria. Autor das obras Sortimento, Conto a Conto, Versos Pingados e à cidade.
O diferencial do Prêmio Jabuti é que ele premia não só escritores, mas várias pessoas envolvidas com o universo da publicação de livros, valorizando todo o processo de produção.
Seu livro a obra “À cidade” recebeu o principal prêmio do mercado editorial brasileiro, tendo superado os ganhadores das outras onze categorias do Jabuti a partir das quais foi eleito o grande vencedor. Seu nome agora figura lado a lado ao de ganhadores de edições passadas, como Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, Luís Fernando Veríssimo, Ferreira Gullar, Hilda Hilst e Marina Colasanti.
“À Cidade” é uma obra de poesia sobre a terra natal do autor, o pequeno município de Cariré, de 20 mil habitantes. Ele também venceu na categoria poesia.
À cidade é o terceiro livro de poesia de Mailson e seu quarto ao todo. Os anteriores – Sortimento (2012), Conto a Conto (2013) e Versos Pingados (2014) – também foram produções independentes.
Certamente, frisar o orgulho de ser nordestino é reagir ao argumento que não aceita a exterioridade (negador do outro). Trata-se, desse modo, da tentativa de engendrar discurso a partir da libertação do outro, da afirmação da alteridade negada na totalidade.
Ao longo do livro, Mailson costura versos para formar um único poema de fôlego”, dividido em quatro parte ( em tempos presente, pretérito, pretérito mais que perfeito e futuro do pretérito), inspirado pelas ruas, pessoas e rotinas da cidade, pela história de Varjota e a sua própria.
A Cidade foi uma obra construída também sobre a genealogia do autor, de sua família e ai, ao se deparar com paisagens do interior, ele afirma: “ Fui tomado por um sentimento forte e bonito, como se já conhecesse aquele lugar sem nunca ter ido ali. Voltando para casa, pensei que seria legal se alguém pudesse ter a mesma sensação ao ler alguma obra de minha região” – Mailson Furtado.
Gostei de sua fala quando diz em uma entrevista, sobre seus versos em A Cidade: “Foi uma poesia vomitada. Só me senti bem quando coloquei o livro para fora, eu estava dentro da obra e a obra estava dentro de mim “( Mailson Furtado)
Nunca é demais lembrar o que diz Victor Hugo: “As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade.”

Cumpre-nos assim, registrar a poética deste instante e frisar a importante missão de valorar a cultura de nossa gente, nossas raízes, exaltando assim, o talento desta gente humilde, que orgulha o Ceará e que nos traz a alegria de ver bem alto, o talento e a grandeza do escritor cearense.

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