O ano era 2006, começava a praticar e entender teatro, de uma forma ainda bem superficial com a CIA Criando Arte, e buscava de forma bem amadora produzir o grupo em cidades da redondeza de Varjota|CE (onde sempre morei), dentre elas, Reriutaba, cidade vizinha, com estreita ligação histórico-política com a terra do Araras, onde lá estava a CIA Caras e Bocas, sob direção artística de Leomário Muniz, que apesar de pouco tempo de existência de grupo, já possuía um repertório de trabalhos e circulações locais e regionais na bagagem, o que me fez entender e apresentou-me este mercado regional do teatro aqui existente, com demais grupos da Serra da Ibiapaba e Vale do Médio-Acaraú.
A CIA Caras e Bocas, neste contexto, foi de fundamental importância para firmação do fazer teatral em grupo em toda essa região, visto que a prática teatral na grande maioria das cidades interioranas era da montagem de trabalhos esporádicos e de apresentação única, vinda da dissipação daquele elenco, que na maioria das vezes, nunca mais voltava a produzir qualquer trabalho. Nesta primeira década de século XXI, vieram grupos|companhias, como: G.R.A.C. e C.I.A. em Guaraciaba do Norte, Criando Arte em Varjota, Mamulengos da Serra em Ibiapina, Caras e Bocas em Reriutaba, todas em atividades há mais de uma década, além de outros grupos já extintos, ou em atividades que começaram inspirados nesses, e sem dúvidas, a CIA Caras Bocas, nesse início (2005-2008), foi sem dúvidas, o grupo que mais se destacou e firmou este “novo” fazer teatral, ainda não firmado por estas bandas, e talvez o primeiro a manter repertório e circulações constantes.
Em 13 anos de atividades, a CIA Caras e Bocas sofreu um grande rodízio de elenco, embora sempre com a direção de Leomário, o que preserva desde seu início a estética do grupo: um teatro que preza o cuidado pela imagem, pela figura, sempre centrada nos(as) atores|atrizes; um teatro popular que não cai na mesmice de clichês imensamente repetitivos; a busca da convergência do teatro com outras vertentes artísticas, como a dança e artes visuais; um trabalho autoral em todos campos, desde dramaturgia até a direção; entre outras questões que vem desde Rerius: a origem de nossa taba, o primeiro trabalho do grupo (de 2005), até Por um fio, estreado ontem (3|jun|2018).
Nesta década, a poética do grupo passeou por inúmeros temas, que exigiram pesquisas únicas, que deram a CIA trabalhos que vão desde poéticas voltadas a historiografia local, a metalinguagem teatral, até o tema ‘transcendental’ de Por um fio, que é Vida e Morte.
Por um fio, texto e direção de Leomário Muniz, um espetáculo em 5 atos, apresenta de forma poético-dramatúrgica o duo Vida-Morte. Cada ato acontece isoladamente e é costurado com os demais, com números de dança, ora contemporâneos, ora populares, o que aproxima diversos públicos. O elenco formado por 7 atores|atrizes vem com um figurino ‘neutro’ que trazem simbologia ao terreno e ao transcendental, que adicionados a simples acessórios travestem diversos personagens.
O primeiro ato traz um diálogo entre juventude e velhice, montado de forma bem caricatural, e que aborda com um tom dramático em seus dois primeiros terços, e finda com uma grande quebra de expectativa, num tom que desliza ao cômico, pela dúvida|confusão sobre a conversação (vida ou morte?). O segundo, possui um tom trágico, narrado de forma araútica por um ancião oriental em segundo plano, que possui em primeira planificação, o instante último de vida, ou o primeiro instante da morte, da filha que é assistida pelo pai, falecer. O terceiro, vem conversar sobre suicídio, em um tom trágico-dramático, com uma abordagem, aos meus olhos, transcendental, cena vivida por dois amigos juvenis. O quarto ato, em contraposição ao primeiro ato, é invertido, seu terço final é dramático, e seus dois iniciais, farsesco, cômico, com a figura estereotipada da Morte (que após intitula-se, Mistério), no entanto, de maneira muito feliz, repete-se a quebra de expectativa, que mistura o tom fantasioso ao de realidade. O quinto e último ato finda o espetáculo, é um ato de imagens sobre a morte, cortejos, caixões, velórios, é um ato de fantasia, talvez transcendentalidade, traz a figura de uma morte Viva, que é amplificada e ecoada ao fim do espetáculo, que fica.
Por um fio traz reflexões ímpares sobre a Vida e consequentemente sobre o Lhe dar com a morte e com certeza é um espetáculo que firma ainda mais a CIA Caras e Bocas no cenário teatral desta Zona Norte Cearense, e um trabalho que muito tem a galgar e crescer ao caminhar por estes fios que mapeiam palco a palco do fazer teatral.
Mailson Furtado Viana,
Diretor artístico e ator
da CIA Criando Arte