Julho e o ser varjotense

Há mais ou menos um ano, dois talvez, O Ser Varjotense era um dos temas que discutíamos em encontros da classe artística de Varjota, debate com intuito simples de autopesquisa, autoconhecimento, de conhecer mais onde vivíamos, onde estávamos. Pontos como: a barragem Paulo Sarasate, o rio Acaraú, e o mês de julho foram dos mais apresentadas.

Julho, em Varjota, é o mais da padroeira (Senhora Sant’Ana), que como em qualquer outra cidade pequena de interior brasileiro (pelo menos no Nordeste, que conheço bem), é a maior festa do calendário anual, a bater carnaval, São João e outras festividades similares, por ser este, um momento de cunho ímpar ao identitário local. Tal festividade, em Varjota, data dos primórdios do povoamento da atual cidade, lá por volta do fim do século XIX, ainda quando a capela local era de autoridade da distante paróquia de Guaraciaba do Norte. Hoje, a antiga capela localizada nas proximidades da fazenda Varjota, está submersa nas águas do Araras, e em períodos de seca, como nos últimos anos, seu alicerce pode ser visto (e visitado).

Estaria sendo repetitivo ao explicar a importância do catolicismo para a construção sociológica deste país, mais ainda em tratando-se de Nordeste, afinal tudo isso vemos e ‘aprendemos’ desde os primeiros dias de vida, formamo-nos, deformamo-nos assim. Daí a grande importância de julho para o povo da terra do Araras.

O novenário, que se inicia dia 16 e vai ao 26, traz o sentimento festivo. A cidade se prepara nas suas diversas áreas para atender a população, seja no lazer, na arte, no comércio, na culinária; há atração para todos os públicos. A praça central lotada de transeuntes, pipoqueiros, vendedores de algodão doce, ambulantes, brinquedos infantis, parque de diversões; restaurantes cheios; as barracas populares – que montam um curto corredor de forma artesanal na avenida principal da cidade (já parte da tradição local), servem desde petiscos até bebidas, e são animadas ao som de artistas locais e regionais, que dobram noite adentro; durante o dia – o banho no Acaraú. A cidade pulsa. Julho, além de tudo, torna-se importante por ser o mês de férias, o que possibilita uma grande leva de visitantes, afinal, Varjota, como centenas de outras cidades do Nordeste sofrem dia-a-dia com êxodo, principalmente ao Sul. E julho, torna-se motivo do retorno, seja total, seja parcial.

O que de início é alicerçado no sagrado, amplia-se em dimensão, e o profano ganha seu espaço. Isso é a cultura, e a que chamamos de popular, dessa mesma forma veio o Carnaval, as Folias de Reis, o São João. E assim, a cidade vive, pulsa. Há gente nas ruas. Há festa, seja sagrada, seja profana, que como cita Freud, em seu Totem e Tabu, festa é um excesso permitido, ou melhor, obrigatório, e assim necessitamos dela, e não entrarei no mérito da importância unitária de cada uma das partes, afinal as duas caminham tão juntas, que se torna desnecessário, e sem motivo, dividi-las. N’outros locais, o março, o agosto, o dezembro é um dos motivos do sentir-se identitário local, aqui, em Varjota – Terra do Araras, o julho, afinal, este, há mais de 2 séculos é um dos motivos de ser deste povo.

Concluo, este pensar, com um poeminha de minha autoria e com a sensação que ele amplifica com a chegada do 26 de julho, pra muitos: o último ou primeiro dia do ano:

“a tarde cai ao passar da procissão
no dia da padroeira
o ano se foi”
Mailson Furtado,
varjotense,
poeta, ator e diretor teatral