Passeio pelas ruas de mim por Domenico Cavalcante

Texto de Domenico Sávio Rocha Cavalcante.
Professor de Linguística e Literatura
do curso de Letras da
Universidade Estadual Vale do Acaraú
(profdomrocha@hotmail.com)

CAPA FINAL

Passeio pelas ruas de mim [e de outros] esse é o título do livro do Poeta, escritor, teatrólogo e dentista, Mailson Furtado, publicado em 2018, em Fortaleza, capital do Estado do Ceará. Livro que considero uma das raízes de à cidade (2017) que se expandiu nessa geografia psicológica do ego do autor.

Ruas são caminhos que permitem ir ou voltar livremente, são espaços entre as margens,margens ocupadas de vida, que se estabelecem e se movem para que acidade viva e cresça. Ruas são caminhos que levam a Mailson Furtado em Passeio pelas ruas de mim [e de outros].

Passeios pelas ruas de mim segue a trilha de à cidade, como ele é um livro atípico, que disputa comimagens visuais o espaço geralmente ocupado pelas letras, fato que revela a intenção do autor de compor poesias concretistas. O livro apresenta ao público leitor 100 poesias, entre 111 páginas, com a capa e a diagramação feita pelo próprio autor.

O texto é uma composição poética de base visual. É um dizer com imagens, onde se explora ao máximo a função fática, que se funda no canal, um dos elementos do processo da comunicação, entendido como o meio utilizado para o envio da mensagem. O autor faz uso do que conhecemos como poesia concretista, uma forma de poesia que para ser apreciada precisa do sentido visual do leitor. O leitor para entender a mensagem precisa descobri-la no uso que o autor faz do espaço da folha, nas cores que seleciona para por em evidência a mensagem, nos tipos de letras empregados, nas imagens que se articulam com as palavras, como acontecem na linguagem mista dos quarinhos.

O narrador aqui se apresenta no papel de criança, que descobriu a escrita e alça como um brinquedo capaz de dizer ao mundo tudo o que pensa e sente, mas um dizer que vai além da descoberta da escrita, um dizer que usa imagens, que usa as cores, que ultrapassa o fazer dos adultos, ainda presos às regras e padrões consagrados pelas academias de letras.

Mailson é como o pintor que atingindo o grau máximo do estudo das cores, e das técnicas de sombreamento, e dos traços necessários a cada desenho, pinta o mundo que sente com palavras e com imagens. Toma a palavra em seu primeiro momento poético, palavra despida de enfeites, mas que exprime, o que é natural a toda palavra,a sua essência poética.

Mailson Furtado desafia o leitor a fazer com ele poesias. Para entrar em seu universo poemático é preciso inteligência, e muita intuição. Descobrir o que ele oculta exige do leitor um aprendizado para entender as manifestações visuais de seu texto, que joga com as cores, com as imagens, com as letras, e com o espaço utilizado nas páginas do livro. Encontro no livro de Mailson Furtado: Textos ora só com imagens, ora só com palavras, ora com palavras e imagens.

Sem uma atenção demorada, sem uma busca exigente, não há como vencer o jogo de esconde-esconde movido pelo autor, não há como descobrir o que ele quer compartilhar, tornar comum, comunicar. Isso faz de passeios pelas ruas de mim [e de outros] um jogo de charadas poéticas. Uma grande provocação à inteligência leitora.

Ler passeio pelas ruas de mim é aceitar a provocação de Mailson Furtado e participar do jogo do que é o que.

Apresentarei a seguir aminha leitura sobre doze textos selecionados de passeios sobre as ruas de mim com ênfase nos textos visuais. Sem descuidar do fato que as interpretações de qualquer texto têm muito da subjetividade de cada leitor, principalmente quando não se tratam de textos técnicos, mas de textos literários como o do poeta Mailson Furtado.

Começo com o primeiro texto do livro, que se encontra naspáginas 10 e 11 e tem como título: nada.  Título em minúscula. Um título que é um texto. Um texto que ocupa duas páginas pretas. Com letras em branco, nas fontes Century gothic e Sitka Banner, na página 11 a primeira metade do texto na-, e na página 12 a segunda metade do texto –da que juntas formam: nada. Mas o que nada pode significar? Onde está a poesia?

Minha leitura do texto enxerga três possibilidade de interpretação. A primeira de fundamentação semiótica me permite reconhecer o texto como literário, e a existência de uma poesia, que enxergo, não na forma do texto, nem no conteúdo literal de nada, mas no mecanismo utilizado pelo autor, para produzir o efeito poético, a mensagem encoberta. Uma poesia essencialmente simbólica, e de forte caráter enigmático, a poesia está no ar, mas onde? Penso: o que é a folha em branco para quem escreve? A folha em branco é o vazio? É o nada. O nada é a poesia? O nada nas folhas 11 e 12 escrito em branco é o vazio, que se encontra nas pessoas no mundo todo, e assim temos a primeira linha poética do poeta Mailson Furtado nesse texto, uma parte de tudo. De tudo que ele já disse e que já registrou em preto na folha em branco, e como disse tanto, tanto com uma única palavra, ele meteu o nada no tudo, e o tudo no nada. E foi assim que me emocionei, ao perceber que todas as histórias do mundo estavam ali, com o preto no branco, ocultas na escuridão.

A segunda possibilidade de leitura se fundamenta na forma icônica das formas das letras- as letras representam as ruas que abrigam seus segredos na noite (as páginas pretas), os círculos das letras são as rotatórias que levam a outros caminhos.

A terceira possibilidade de interpretação aponta para o sentido filosófico desta composição poética icônica – no contraste do nada com o tudo.

Tudo é o ser, o nada o não ser. Mas se o tudo se expressa no escuro, e o nada no claro, o tudo é a busca que gera a perturbação, a aflição. O nada é a luz, o paraíso, não buscar tudo equivale a não buscar nada. Encontrar a paz.

O nosso segundo do texto “Espelho no escuro” se encontra às páginas 16 e 17.

Na página 16 leio:

“aquele espelho no escuro

me faz lembrar do amanhã”

Aqui também vamos encontrar o jogo de cores: branco, preto.

Um espelho no escuro nada reflete. Não há imagem. Não há leitura de um há um futuro. Só o nada.

A página seguinte vem com uma inscrição ilegível e centralizada em uma página de cor preta. A ilegibilidade da inscrição e a cor preta são referências às incertezas do futuro – o amanhã que não se pode adivinhar, mas que o espelho faz lembrar. A inscrição aparece na forma legível na página 16, revelando a preocupação do poeta com o seu futuro. Um futuro que é como a inscrição no espelho, de forma invertida de trás para frente, passando a ideia que o futuro e o reflexo do passado no presente.

Nosso terceiro texto se encontra na página 43, com o título Reservado [do que nunca virão]. Nessa página vejo a fotografia de uma placa, provavelmente, de alumínio, com a inscrição em letras maiúsculas: RESERVADO, aparece sobre uma mesa, junto ao espaldar de uma cadeira encaixada por baixo da mesa. Onde está a poesia? Na placa, no nome inscrito na placa? Na cena? O título do texto aparece em minúscula – acompanhada entre colchetes pela sentença:

Para os que nunca virão

O título não aparece, é visto apenas no sumário. A cena fala por si mesma; O tema – reservado.

A poesia está nos olhos de quem vê: a tristeza, a solidão, ausência, a dor de quem espera – a poesia está lá – para ser capturada pelo leitor experiente.

Nosso quarto texto escolhido recebe o título: sinto falta de mim, e aparece na página 49.

Abro o livro na página 49 e encontro mais uma poesia visual- a página 48 em cor preta- a página 49 também preta – ao contrário da 48 vem com mancha textual:

Sinto falta de

mim

neste poema

Isto é poesia visual, a página preta é página escrita para o poeta, então ambas as páginas estão repletas de poesia.

A frase impressa em branco traduz o não ser do poeta.

PARIS que se encontra às páginas 58 e 59 é o quinto texto de minha leitura. Considero que ele seja o texto que mais se adequa ao título dado ao livro. Ao vê-lo visualizamosa divisão em blocos que formam entre si as ruas. Novamente se constata a combinação de imagens e letras, tão própria da linguagem em quadrinhos.

O autor divide as páginas em branco em quarteirões, aqui representados por quadrados com espaços entre eles formando as ruas. Num dos quadrados lemos:

Paris deve ser do outro lado…

A frase termina em outro quarteirão:

da rua

A análise do texto nos permite perceber a questão da globalização do mundo atual, onde as culturas se fundem e se confundem, e em que as identidades se enriquecem. Paris agora é bem ali. O mundo todo está conectado.

Vamos ao nosso sexto texto selecionado que se intitula O livro que não li, e se encontra na página 71.

Ao contrário do texto “NADA” que se processa em duas páginas pretas, o livro que não li, vem processado entre duas folhas em branco, com a impressão dos caracteres em preto, com sombreamento dos caracteres em cinza, duplicando como espelho as letras.

Difícil para quem busca o poema identificá-lo no enunciado em si. Aprendi em semântica que o significado de qualquer enunciado, não está nele, mas no receptor, que é quem o elabora. Para entender o texto como uma poesia é necessário fugir dos padrões poéticos da academia, nada de rimas, de ritmo, o que vale aqui é o propósito poético, o trabalho com a função poética da linguagem.

Vamos a interpretação do texto:

“o livro que não li

por ora tem

241 páginas”

Observamos que todas as palavras do texto aparecem em minúsculas, o que ocorre no livro todo, não há pontuação, a mancha textual ocupa a parte central da folha, o impresso vem espelhado. E a página 70 vem completamente em branco. Vamos ao que tudo isso pode significar.

Páginas em branco indica que o poeta não conhece o que foi dito no livro, ele não leu. O livro que não leu tem 241 páginas, mas ele confessa que ainda vai ler. “Não li por ora”. A imagem dobrada talvez sinalize a incerteza de seu compromisso de ler. O poeta nada diz do livro, mas sabemos que ele sabe de que livro se trata. Para nós, só resta achar que é um romance, e que a história é longa, mas pode ser também uma coletânea de poemas, de contos, de crônicas.

Mas se pensarmos na questão psicológica, podemos pensar na angustia que produz no autor não ler, onde deixar de ler é perder, é não saber, é preciso ler para conhecer. Não ler é perder uma história, 241 representa mais que uma quantidade, representa o mundo, uma verdade, uma mentira que se perdeu no tempo, pela recusa em ler, ou o descuido de não ler. E mais ainda o poeta pode estar se referindo ao livro que ele planeja escrever, momento no qual, o escritor existe, é o momento enquanto escreve, depois, o escritor morre, para dar vida ao leitor, surge o autor, que também morre para que a voz do poeta impere.

O nosso sétimo texto se encontra nas páginas 74 e 75 de Passeios pelas ruas de mim, e recebe como título um monossílabo poderoso: SÓ.

O que vemos nessas páginas em cor pretas, com grandes aberturas em branco, em forma de círculos, é a palavra só, que surge repetida por três vezes, em dimensões variadas, um grande só, que abriga um só em sua letra O, que por sua vez abriga outro só, também em sua letra O.

SÓ é um texto de uma expressão magnífica, de uma poética visual vibrante.

Linguisticamente o vocábulo só transita entre o adjetivo e o advérbio; variando em significação em cada caso. No papel de adjetivo só significa aquele que não tem família, o que está solitário. Mas também significa único. No papel de advérbio só corresponde a somente, unicamente, apenas.

Na locução a sós a forma só já não expressa a solidão, mas que não se tem outra companhia além da que já se tem.

Pode-se ainda se inferir o aspecto religioso decorrente do fato da forma só se repetir por três vezes numa relação de contingência em que um só está contido no outro. Da mesma forma em que se estabelece a relação entre a Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Um só Deus em três pessoas.

Mas também a repetição pode ser uma forma de intensificação do sentido de solidão que está na base semântica da palavra. Só muito só.

Agora vamos aos aspectos semiológicos do texto. No que diz respeito às cores, o preto na folha branca representa que a folha foi escrita- nela o autor se expressa- projeta a sua mensagem. Nesse caso só representa tudo- ou parte de tudo que o poeta teria para dizer.

Nas relações de contingências mantidas entre os sós identifico também a questão psíquica. O texto revela o desejo de autoconhecimento do autor, uma busca profunda de si, do seu inconsciente, a razão de sua alma solitária.

Nosso oitavo texto se encontra nas páginas 80 e 81, chama-se Abismo.

Também é um texto icônico voltado para a visão do receptor.

A arquitetura visual do texto leva em consideração a linha horizontal impressa no alto da página, e que se estende da direita para a esquerda, nos espaços entre as páginas 80 e 81, aqui em branco, com a mancha do texto, situada na parte superior da linha. Do alto, como disse, é do alto que vem a ideia de abismo, de profundezas. A linha representa a beira do abismo, lá onde se encontra todas as ideias, todas as histórias a ser descobertas, inventadas, razão das páginas em branco, sem manchas.

Vamos agora para o nosso nono texto, na página 83, que recebe o título de vale.

neste vale

Vale o vale

Fora disso

Nada vale

(FURTADO, 2017, p.83)

Temos aqui um trocadilho, que é integrado ao jogo de cores em preto e branco utilizado pelo autor em sua composição.

A página em preto representa tudo o que o autor desejou dizer, o preto representa a mancha textual na página em branco, e nesse caso o autor diz mais do que quer dizer. Vale o preto no branco, o que é marcado, contratado, assumido. O que é dito e não é escrito, não vale.  O vale aparece na cor preta, em oposição ao verde que faz parte de outro vale, que não entra nessa poesia.

Nosso décimo texto se denomina o tempo; e vamos encontrá-lo na página 92.

É um texto em que o autor se utilizando de sua experiência de diagramador, de leitor de revistas em quadrinhos e de seus conhecimentos de fotografia, acredito que ele tenha, celebra o casamento da escrita de o tempo com a fotografia de três ampulhetas. Na combinação da escrita com a imagem, seguindo a linguagem mista dos quadrinhos.

o tempo parou no tempo

ficou dentro dele

dentro do antes,

dentro do depois

e tudo/ fica pra lá.

(FURTADO, 1918, p.92)

Novamente o número três aparece nos trazendo a ideia de trindade; desta vez o tempo, é deus, um deus tomado em suas dimensões de passado, presente e futuro, um tempo que vive em si mesmo, fechado em si mesmo. Surge a imagem do tempo em forma de ampulheta. O tempo é poeira que despenca, e permanece em si mesmo como monte que enterra mil histórias, que encoberta vidas em segredo, segredos das ruas em que corre o barro da vida, segredos nascidos nas margens da rua.

O Deus Cronos é o personagem desse texto, o mesmo deus que nos cria e devora. Estamos presos no tempo com o tempo, as ampulhetas são as prisões do tempo.

No último verso o autor resume o nosso desespero:

“e tudo, deixa pra lá.”

Vamos ao nosso décimo primeiro texto, que se intitula obedeça a sinalização, e se encontra na página 93.

O poeta se utiliza agora de outras formas de linguagem, emprega a linguagem de códigos do trânsito. Inicialmente esse código é fechado, e não nos permitiria outra interpretação, a não ser a literal que diz para se obedecer a sinalização. No entanto, a placa está associada à rua de Mailson Furtado e o significado ganha outras dimensões.

A placa se encontra numa via deserta, numa estrada que leva a muitos destinos.

Na estrada observo um único carro, que pelo visto já passou pela placa. Será que o/a motorista viu a placa? Obedecerá a sinalização, depois que viu a placa.

E o que para nós quis dizer o poeta? O poeta nos chama atenção para os sinais que a vida nos dá ao seguirmos nossos destinos.

Obedecer a sinalização dos sinais que a vida nos dá, para que haja tempo para amar, para viver com a família, para brincar. Obedecer a sinalização para continuar seguindo, continuar vivo.

Nosso décimo segundo texto, que se chama legenda, se encontra nas páginas 110 e 111. E tal como nome não se comporta, uma vez que nada a vem depois dos dois pontos.

legenda:

O texto aparece no final da folha. E então como pensar o sentido desse texto? Onde está a poesia aqui? Não há como responder pelos padrões poéticos da tradicional academia. E para os que não estão acostumados com essa forma enigmática de dizer, e o enigma é um traço poético. Não há texto, não há nada que saber. Para saber é preciso um olhar acostumado com os sinais, com as pistas, com a forma simbólica, com a pintura, com as cores e os seus significados, com as sugestões próprias do simbolismo.

No final da página, este é que o lugar da legenda, sua função é apresentar esclarecimentos, traduzir, significados associados a uma imagem, ou traduzir um sistema linguístico. Mas onde estão as imagens nesse texto? Não há imagens. O que temos são duas páginas de cor preta. Novamente o jogo de cores entra na composição do poeta. É o preto no branco que conta, que nos diz tudo. Não há o que dizer na legenda, tudo já foi dito, por isso os dois pontos, sem nada depois. Mas os dois pontos, nos passa uma mensagem, significa que há mais coisa para ser dita, que o discurso continua, que o leitor agora tem seu turno, que é a vez do leitor contar sua história. Era uma vez…

A leitura de passeios pelas ruas de mim [e outros] é uma leitura que exige mais que um passar de olhos, para que se possa captar os possíveis significados que o autor deseja passar. O estilo de Mailson Furtado quebra todos os padrões da tradicional poética. Seu texto é um quebra-cabeça, um enigma a cada página, uma charada. Os textos que aqui apresentei mostram como o autor estima misturar diversas formas de linguagem para compor sua estética. Usa da linguagem visual, das sugestões, não diz tudo, mas deseja que se descubra o que ele quer dizer, que o leitor se surpreenda diante do enigma. Do que há por trás de cada sugestão, do jogo de imagens, da combinação da linguagem escrita, com a linguagem icônica. Aqui o autor valoriza o jogo das cores: preto e branco. O preto com seu significado de afirmação, de contrato firmado, onde o que vale é o que está escrito, o preto no branco. Um branco que também tem seu significado, sua essência poética. Tudo é muito bem pensado pelo poeta. Temos textos surpreendentes como: nada, só, legenda. Paris. Tudo dizendo muito com muito pouco.

Acredito que Passeio pelas ruas de mim [e de outros] e um livro fruto do livro à cidade, em à cidade o poeta conta a vida da cidade, e como ele participa da cidade, parte de sua vida esta na cidade, e a cidade está nele. Já em passeio pelas ruas de mim, a geografia já não é a da cidade, mas o espaço é outro, o espaço diz respeito a forma de ser do poeta, fala das ruas, dos caminhos que levam a revelar o eu do poeta “ruas de mim”. Ruas do eu, da sua subjetividade.

Passeios pelas ruas de mim é um ensaio biográfico do ego do poeta, da emoção, do ver e dizer o que está oculto, de reinventar o seu próprio ser. Passeio pelas ruas de mim, é a busca mais profunda de quem corajosamente se lança no abismo do inconsciente. Enfim, o autor é o senhor da sugestão da imagem, senhor da linguagem em sua forma mais essencial que é representar, por símbolos o que lhe parece ser real.

Bonfim e sua máxima

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E vem 2019, apesar dos pesares que todo mundo sabe e blá blá blá, uma pitada de sal vem nos animar. Ou melhor uma grande pitada de SODIUM, o mais novo trabalho do multiartista Luciano Gutemberg Bonfim.

Luciano traz um projeto ímpar, com um poetizar, já seu, marcado em outros trabalhos. Mayara Pontes assina o projeto gráfico, uma proposta singela e feroz, que amplia a obra abissalmente.

O livro que já é o sexto trabalho do poeta de Crateús (e de Sobral, também!), traz a poesia no seu estado máximo, como indicada na própria obra, com a palavra condensada ao máximo limite, a ponto de reagir, de explodir, e explode!, com 51 macropoemas de meia linha, que só cabem nas letras de Bonfim, e na leitura do mundo todo.

Luciano passeia por perto, por longe, por temáticas tão distantes que se abraçam. Emborca o paradoxo ao avesso. Com sua voz cortante, beat, hippie, meio Arnaldo, com um enxergar adulto pueril meio Vinicius-menino, lírico como no brado dos Manoéis, pilhério como cearense, como cantador de verso sem letra daqui destas terras. SODIUM é pontual, é toante, é visual, é cantante, é infante, adulto sem idade – um dicionário de sensações, que vai no máximo do sentir.

Eis 2019, e Luciano nos abraça salpicando a poesia máxima que já não mais lhe pertence, mas já a mim também. Grato por isso.

Mailson Furtado

Sobre o Criar Arte e seus Tantos Nós (no meio do Sertão)

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Foto: Niele XBê

O ano era 2016, a CIA teatral Criando Arte completava sua primeira década de estrada, com um repertório que passeava por inúmeras experiências e influências teatrais, com trabalhos desde comédias de costumes dentro do teatro popular nordestino, até, e posteriormente o teatro de rua e a palhaçaria. O grupo, que sempre ousou no enfoque de uma dramaturgia autoral, buscava em encontros diários, novos rumos de propostas e pesquisas para criação, focadas em experimentos de escolas e conceitos de teatro desenvolvidos ao longo do século XX, como os tragos por Antonin Artaud, Gerzy Grotowski e pela dramaturgia ímpar de Samuel Beckett. E de um desses experimentos surgiu Tantos Nós.

Tantos nós foi um trabalho inovador para a então poética do grupo, e traz como mote principal: o viver juvenil no Sertão nordestino através da arte, construído a partir de relatos autobiográficos do elenco e equipe técnica da CIA Criando Arte. Vivido por 4 jovens e do grupo de teatro que formam, são tantos, plurais, dezenas até, ora com 15, 25, 30 anos, apresentam o ato político de se mostrarem jovens e junto disso, a necessidade de vivência da/na arte para o acreditar na vida.

O Sertão e consequentemente o Nordeste estão e continuam assim, como foco central do trabalho do grupo, que já percorria há longo tempo, pesquisas e criações sobre a arte local e regional, com enfoques distintos: trabalhos voltados a manifestações folclóricas e marcadas pelo identitário regional. Tantos Nós não foge disso completamente, e traz o sertão destes dias, que vive, que pulsa. Apresenta a dificuldade juvenil da vida em uma pequena cidade do interior, de um estado do interior, de um país do interior, local sem grandes oportunidades (principalmente na/à arte), e que por vezes a utopia reina (e tem que reinar!), caso não, nada existe. O êxodo, por vezes, é necessário, e a vida, como tem que ser, parece longe. Tantos Nós tanto afirma, quanto nega tudo isso.

O espetáculo passeia por diversas situações contadas e cortadas ora de forma sutil, ora abrupta, como uma conversa numa mesa de bar, ambiente-guia de todo o espetáculo, que traz outros, com a licença que a arte cenográfica permite: ruas, salas de ensaio, palcos. A presença de simbologias imagéticas e poéticas, brincam com essa cenografia, e correm todo o trabalho, como o palco como um palco, ou o vinho (que foi o mote central no experimento de criação), que em certo momento é um elo entre atores e público, que trocam doses e histórias e constroem partes do espetáculo, aproximando-os e tornando-os simultaneamente, expec-atores[1]. Além disso, o vinho, ou melhor, a garrafa e seu conteúdo, atuam como ampulheta, ao ser o marcador do recorte temporal da peça, que se inicia e se termina, cada qual, em um gole. O texto busca um conjunto de singularidades que distorcem a ideia de tempo e espaço, como exemplo, cenas onde a experiência teatral cai dentro dela mesma, numa brincadeira metalinguística e de produção de quebras de expectativas. E assim, no texto, a vida passa e a necessidade de viver no lugar que tantos negam, o Sertão, vem à tona, junto da necessidade de marcar os dias de juventude. E daí a arte.

Em 2 anos de circulação, o espetáculo foi se moldando e se construindo a cada apresentação dentro da estrada (como acredito que acontece com a maioria de todos os trabalhos teatrais construídos de forma coletiva a partir de uma sala de ensaio), mudanças de elenco, quebras de texto, dentre outros fatores, mas sempre a preservar o motivo inicial da obra. Esta proposta de publicação aborda assim, o trabalho de quase 4 anos de mais de 10 pessoas, que deixaram por cá um pedacinho de suas vidas. Inúmeras influências, como a música de Antonio Carlos Belchior (que pouco mais de um mês de seu velório no mesmo palco do Theatro São João em Sobral, tivemos a honra apresentar este espetáculo que traz como trilha sonora, seu repertório), a música e a poesia de Bob Dylan, a música e engaje político do chileno Victor Jara, a poesia de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, e todas influências teatrais adquiridas ao longo de uma década, essenciais para este texto existir, como Augusto Boal, Peter Brook, Antonin Artaud, Gerzy Grotowski, Constatin Stanislavski, Zé Celso Martinez Correa, e tantos e tantos outros.

Tantos Nós, assim, é um fichamento à juventude, à arte e ao Sertão. É a apresentação de vidas, que são de todos nós e afirma a necessidade do hoje e do aqui para que tantos instantes sejam construídos no âmago de sua plenitude.

Mailson Furtado, um transeunte

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[1] Augusto Boal. Jogos para atores e não-atores. Ed Civilização Brasileira. 1992.

Conversa sobre o poema-livro à cidade na UVA por Domenico Cavalcante

Texto de Domenico Sávio Rocha Cavalcante.
Professor de Linguística e Literatura
do curso de Letras da
Universidade Estadual Vale do Acaraú
(profdomrocha@hotmail.com)

O poeta Mailson Furtado em: à cidade e o Jabuti

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e área interna

O presente relato apresenta o encontro promovido pela Coordenação do Curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú- UVA com o poeta Maison  Furtado, vencedor dor do prêmio Jabuti de Literatura 2018, e a comunidade acadêmica de Sobral, no dia 11 de dezembro de 2018 se constituirá pela apresentação das falas dos participantes do evento.

O evento de (re)lançamento dos livros: à cidade (2017) e do livro passeio pelas ruas de mim (e de outros) do escritor Maison Furtado, vencedor do prêmio Jabuti, ocorrido no auditório central, da biblioteca da UVA começou logo depois da chegada do nosso convidado especial.

A imagem pode conter: Vicente De Paula Da Silva Martins e Mailson Furtado Viana, pessoas sorrindo, pessoas sentadas

O Professor Dr. Vicente Martins, após saudar os presentes, manifestou sua alegria diante da oportunidade de participar da homenagem prestada ao poeta Mailson Furtado em razão de sua vitória ao receber o prêmio Jabuti de Literatura, nas premiações já mencionadas por mim neste relatório. Ainda em sua fala, simpaticamente, destacou no auditório a presença do Professor Dr. Raimundo Gomes, ex-coordenador do Curso de Letras, além de minha presença. Antes de fazer umas perguntas ao autor, o Professor Dr. Vicente Martins, se antecipa em apresentar alguns aspectos linguísticos sobre a obra  à cidade.

Chamou a atenção do Linguista o título À CIDADE, que contrasta com A CIDADE. Explicou o Professor Dr. Vicente Martins que o título mediante o emprego da crase, acusando a existência da preposição, que manifesta a direção e o fim da obra, que tem por objetivo prestar uma grande homenagem às pessoas que construíram e fazem parte da vida de Varjota.

O Professor Dr. Vicente Martins enquanto linguista não deixou de chamar a atenção para a utilização do emprego da nomenclatura dos tempos verbais, utilizada pelo autor, para estabelecer a divisão do poema À cidade em quatro partes: o presente, o pretérito perfeito, o pretérito-mais-que-perfeito, e o futuro do pretérito. Termos antecedidos, respectivamente, por letras do alfabeto grego: alfa, beta, gama, e delta, que denunciam o aspecto simbólico e místico por trás de cada parte do poema.

Não escapou também ao olhar atento do professor Dr. Vicente Martins a questão das variantes linguísticas contempladas na obra, com ênfase na leitura da primeira parte, destacou a valorização pelo escritor Mailson Furtado, do regionalismo que “aparece em fraseologias, locuções verbais, ou no léxico. No poema ele destacou a expressão idiomática “dar o ar da graça” que aparece no verso “Onde cachorros dão o ar da graça” (p. 9).

O Prof. Dr. Vicente Martins trata ainda da seleção lexical elaborada pelo autor e destaca termos regionais como “zoada do badalo” que ocorre no verso “que vi minha mãe se benzer depois da zoada do badalo”, (p.10).

Ao continuar com sua análise linguística, o Professor Dr. Vicente Martins chamou a atenção sobre o verbo triscar, que o poeta Maison Furtado utilizou em seu poema na passagem que segue:

“é noite na cidade
e os meninos vão à rua
desviam de bicicletas
triscam de tantas coisas
além da bola
ou a parede de contar
talvez em mim também (FURTADO, 2017, p.11).

 

O Profesor Dr. Vicente Martins após verificar em suas pesquisas que o verbo triscar não constava no dicionário Houais.  Promete ao poeta, que como colaborador do dicionário, embora não seja comum, se colocar como forma de datação para um léxico uma obra literária, vai propor que se tome o poema À cidade como fonte de datação para o verbete triscar.

Chama ainda a atenção para o emprego de esconde, que faz par com a forma conhecida para o brinquedo esconde-esconde.

O verbo rasgar aparece na obra com uma grande frequência, e nos mais variados empregos e flexões verbais, fato que também e destacado pelo Professor, entre muitas passagens cita:

a noite vai rasgando as horas
como a luz do poste  a rasga
contrapondo o que a noite
sem lua quer (FURTADO, 2017, p.11)

 

Apontou ainda o professor casos de neologismos existente na obra como “vai-e-não-vem” que faz par com a forma lexicalizada vai-e-vem, encontrada na passagem

a noite canta
com o vai-e-não-vem
do relógio
na cidade a noite
se acaba
quando o poste
se apaga
(e sinto a cidade suspirar)
(FURTADO, 2017, p. 12)

 

E finalmente o nosso linguista destacou o léxico regional da primeira parte do poema à cidade: enxada, lenha, quarta d’água, roçados, mongubas, sempre-verdes, caroço, estrume, pirão, cochilo e o fato de que “tudo aparece em minúscula e sem pontuação”.

O Professor Dr. Vicente Martins revelou-se surpreso diante da premiação do autor em conquistar o prêmio Jabuti derrotando autores da região sul, sudeste do pais, região de grandes escritores e de grandes autores.  E ainda não tendo lido o poema à cidade, imediatamente se pós a ler em busca das razões que levaram a premiação da obra, e apontou como razão fundamental o fato do texto ser fluente, envolvente e de leitura dulcíssima. O que fez que ele o lesse por quatro ou mais vezes.

Concluídas as suas considerações, e diante do olhar admirado do autor, o Professor Dr. Vicente Martins recomendou a obra para leitura, estudo e aplicações pedagógicas em diversos cursos acadêmicos, entre eles: o Curso de Letras, o Curso de Pedagogia, o Curso de História, de Geografia e o Curso de Filosofia.

Ao ser indagado pelo linguista a respeito do processo de construção do poema à cidade, o autor explica que a obra nasceu, “o esqueleto primordial dela, um poema só, nasceu em novembro de 2015. A obra se passa inteiramente no mês de novembro, a cor dela é novembro”.

O livro é uma homenagem a Varjota, cidade em que o autor vive desde criança, “uma cidade inventada, aconteceu pela construção do açude Araras, é uma cidade de migrantes, uma cidade jovem , de 50 anos….”  Maison Furtado tem 27 anos, tão jovem quanto a cidade que aprendeu a amar e onde vive  até hoje com a esposa e o filho.

Um sentimento de falta, quase necessidade, que levou o autor a pesquisar sobre Varjota, foi não ter ao seu lado outros parentes além dos seus pais e irmãos, fato que o incomodava bastante, que o ansiava, e o motivou a estudar de forma amadora a genealogia de sua família. Na busca de seus parentes, ele afirmou ter pesquisado inicialmente na internet, nas conversas com parentes mais antigos. Não bastou conhecer os parentes, precisava conhecer a cidade em que vivia, uma cidade que também vivia nele.

O autor busca se entender como ser genealógico, como ser comprometido com sua geografia, com o espaço em que vive. Sente a geografia dentro de si, viaja nas pesquisas geográficas, nas cidades da literatura, sente as cidades dentro de si, sem ter nunca ido ao lugar. Esse sentimento, cria o desejo intenso de escrever sobre a cidade em que vive – uma Varjota sobre o olhar do espírito dele. Viaja pelas terras nordestinas, e o espírito se enche de sua geografia, e como os escritores que amam sua terra, homem do povo, e do povo celebra sua cidade, cidade em que vive com gente simples, com os agricultores, com os pescadores, com os cheiros de gente do povo, entre risos e choros, entre analfabetos e escritores, entre os velhos aposentados e os moços em busca de sonhos.

Durante vinte dias o poeta Maison Furtado, como ele mesmo disse, foi consumido pelo poema. À cidade estava nele, tinha se iniciado a gestação da obra que lhe renderia o prêmio Jabuti de Literatura, promovido pela Câmara Brasileira do Livro. À cidade recebeu tanto o prêmio Jabuti na categoria poesia, como o prêmio Jabuti para a categoria livro do ano, E se um Jabuti ilustra muita gente, dois jabutis ilustram muito mais.

O Professor Dr. Vicente Martins após declarar que à cidade trazia uma seleção lexical fortemente regionalista, se surpreendeu ao saber do autor que para tal não houve nenhum esforço deliberado, as palavras simplesmente foram surgindo como parte dele, “é algo meu, fruto da minha convivência com o sertão rural – foi desproposital”.

Ao observar no auditório a presença do Professor Doutor José Luís Lira, que acabara de chegar, o Professor Dr. Vicente Martins, solicitou a presença do recém-chegado à mesa dos debates, ocasião em que lhe cedeu a palavra.

Ao falar o Professor Dr. José Luís Lira fez referência à análise do Livro o Quinze, feita pelo Professor Dr. Vicente Martins no ano de 1997, quando diante de Rachel de Queiroz, que se encontrava no mesmo auditório em que o Poeta Maison Furtado agora estava, “Vicente apresentou o ensaio literário O VERMELHO EM O QUINZE diante do olhar perplexo de Rachel, que após a palestra me pediu para lhe adquirir o ensaio”. Acusou o Professor Lira o fato estranho de até hoje o ensaio não haver sido publicado. E então, aproveitando a ocasião exigiu do colega a publicação, sob a ameaça de processá-lo caso não pagasse o seu débito com o público.

Com a palavra Maison Furtado nos conta sobre o momento em sua vida em que pela primeira vez se sentiu muito importante.

A primeira vez que Maison Furtado se sentiu muito importante na vida dele foi aos quinze anos de idade. E isso aconteceu em 2007 ao cruzar as portas da Universidade Estadual Vale do Acaraú a convite da acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras Maria Elita. 

O convite era para que Mailson Furtado apresentasse a sua produção literária no seminário promovido e orientado pelo Professor da UVA, Leunan Gomes, na aula de Tópicos de Literatura Cearense.

A ideia proposta pelo Professor Leunan tinha por objetivo tornar os escritores cearenses, de todas as localidades em que os alunos moravam, conhecidos; além de incentivar o interesse pela cultura do Estado do Ceará.

Maison Furtado, com 15 anos apenas, participou do seminário, e apresentou a sua obra literária aos acadêmicos do Curso de Letras.

O menino cresceu. Virou dentista, mas não matou dentro dele o escritor. A escrita era uma necessidade para o seu autoconhecimento, um degrau para a felicidade.

E a poesia que dentro dele crescia, lhe fez sentir a alegria de pintar com palavras o mundo que os outros viam, mas não conseguiam enxergar, e foi assim, que para mostrar a Varjota que sentia e o que sentia, Mailson escreveu em 20 dias com doçura e harmonia o seu livro-poema: à cidade, que o tornaria uma das pessoas mais importantes do universo literário do Estado do Ceará em 2018.

Mais ainda quis saber o Professor Dr. Vicente sobre o emprego dos tempos verbais utilizados para a divisão do poema em partes.

Ao se referir à questão o poeta Mailson Furtado declarou que a questão dos tempos empregados para a divisão do poema à cidade fora a última coisa que havia acontecido na produção do livro. “Por orientação acolhida do professor Barroso da UFC, que adverte que o livro é um poema só, mas que existe em sua estrutura uma divisão em quatro partes- faltava um elo para ligar as partes”.

O poeta comentou que passou muitos dias pensando como faria para resolver o problema, o que exigiu dele grande esforço. Feito esse comentário, o autor passa a explicar o que o emprego dos tempos verbais significam na obra:

“O presente, é a cidade como ela é, a cidade que pulsa. A cidade no agora. O pretérito fala da formação da cidade, de sua gente, do lugar, sua formação histórica. O pretérito-mais-que-perfeito trata a ideia, da cidade ser ela, e não poder ser diferente do que é; do que está sendo. É nessa parte que eu me encaixo, que caio dentro da cidade de forma viva mais pulsante, enquanto autor, enquanto ser humano. O futuro do pretérito trata da questão da cidade que pode ser, ou que vai ser a partir do que foi. Os títulos foram a única coisa que foi forçada que não fluiu livremente”.

E completa a resposta feita pelo Professor Dr. Vicente Martins, falando sobre a construção da obra:

“A construção da obra foi uma experiência que se foi construindo, fui aprendendo com os erros dos outros, dos meus outros livros, nesse sentido de estética; os outros livros tinham uma diagramação bem fria, bem frouxa, fui aprendendo a diagramar com o tempo, com cada livro, cada livro sempre tem algo além, depois fui estudando… Quando terminava a obra enviava para muita gente ler e ia acolhendo os comentários e aperfeiçoando o trabalho”

Com a palavra o Professor Dr. João Paulo Eufrásio, após uma série de argumentos, pergunta ao escritor Mailson Furtado sobre os autores que de uma forma ou de outra influenciaram na produção de à cidade.

Mailson Furtado afirma não ignorar que todo escritor sofre influência dos autores que lê, que admira, e com os quais aprende a escrever. E destaca que os autores, que mais fortemente, influenciaram a sua forma de escrever o poema-livro à cidade foram Gerardo Melo Mourão, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar. E completa que recebeu também outras influências: do teatro, das manifestações folclóricas, da literatura de cordel, além da música. Em outro momento da conversa, lembro que ele mencionou ter lido textos de Paulo Leminski, autor que produzia o que chamamos de literatura marginal.

Antes do encerramento do debate, faço ao autor a última pergunta da noite. “Quem é o Mailson Furtado antes e depois do prêmio Jabuti de Literatura?”, “Sou o mesmo” responde com humildade.

Eu insisto: “Mailson, fale das portas que se abriram para você após o prêmio Jabuti”.

“Gente é engraçado, antes do Jabuti o comportamento das pessoas em relação a minha obra, e ao modo como me viam era um, mudou bastante. Hoje as portas antes fechadas, se abrem para mim. Lembro com tristeza que no lançamento de à cidade, não passaram de nove as pessoas que me prestigiaram… mas não guardo raiva de ninguém não”.

Após o encerramento do debate com o autor e os demais presentes, o evento termina com a venda de livros e a fila para obter o autógrafo do autor.

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Prof. Domenico Cavalcante

2018, fica.

2018, apesar dos pesares, da imensidão turva que nos trouxe pr’além, foi um ano que ficou. Foi, pra mim, um ano de experiências primeiras. Importantes e marcantes.

Todo fim de ano, gosto de ver o que aconteceu, sentir o quanto o foi vivido, e falar um pouco disso. Foi um ano intenso, com as mais diversas experiências… Trouxe de volta, minha escrita ao mundo blogueiro, que há anos havia deixado de lado (precisava dessa distância!), e reinventei esta vontade com o Re|Visão, este espaço que trago para falar de arte, com um tom mais crítico, principalmente para trabalhos apresentados cá pelas bandas da Zona Norte (ou mesmo interior) do Ceará (sentia e sinto falta disso!), com um olhar mais aprofundado de trabalhos artísticos tragos por e para cá, e foi meio que um ato político também, abrir espaço para quem eu acho que deve o ter, e não tem. Está sendo uma experiência magnífica, e muito feliz pra mim, pois em grande parte dos trabalhos que compõem o blog, é pela primeira vez que o artista ou coletivo, que mesmo possuindo um trabalho já de anos, recebe um retorno escrito. Fico feliz de registrar isso.

Este 18, pontua a realização de uma grande proposta que já acontecia desde 15, e que só agora pode tomar corpo, a Casa de Arte CriAr. O espaço que é a sede da CIA Criando Arte, da qual participo, atuo e dirijo, e que busca ser um espaço de vivências artísticas, diálogos e intercâmbios culturais, aqui por Varjota e Sertão da Zona Norte cearense. Este ano, a Casa toma sua plenitude. Traz ações e atividades que ecoam em todos que puderam se adentrar por lá, e através disso aprendi muito: a ser produtor, a ser mais artista! Tivemos a oportunidade de conhecer trabalhos magníficos desde o teatro à dança, da música às artes visuais de artistas de todo o Ceará (da serra, praia e sertão), além de ações de leitura que a biblioteca comunitária (a única de Varjota!), que está dentro da Casa, realiza.

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Sala de espetáculos. Casa de Arte CriAr.
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Clubinho de leitura na Biblioteca Comunitária Fca Nogueira. Casa CriAr.
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Curso de Fotomanipulação digital. Casa de Arte CriAr.
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Exposição Pluralidade. Casa de Arte CriAr.
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Aulas de Ballet. Casa de Arte CriAr.
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Espetáculos. Casa de Arte CriAr.

Pra CIA Criando Arte foi um ano de alicerçamento, a Casa CriAr nos deu um novo gás em projetos, e tudo bem diferente de tudo que já fizemos, foi um ano de aprendizagem. Foi um ano de mais estudos, de pesquisas, de experimentações, de intercâmbios (sempre esse suspiro é fundamental pra gente, para seguirmos, e assim vamos!). No entanto, fizemos circulações bem marcantes em todo o Ceará com Tantos Nós, Estripulia e Boi CriAr, e mais uma vez registramos a nossa firmação em acreditar e resistir sempre, mesmo nestes tempos sombrios que vivemos para arte.

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Espetáculo Estripulia. Casa de Arte CriAr.
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Espetáculo Tantos Nós. Theatro São João
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Espetáculo Boi CriAr. Zona Rural Varjota|CE.

2018 finda com muita alegria. Foi um ano de firmação pra minha literatura, essa que produzo há certo tempo e este ano em si, trouxe-me coisas muito importantes, e não somente pelo Prêmio Jabuti. Este foi um ano de leituras distintas, pesquisa por artes visuais e por poesia visual; por experimentos poéticos destes dias; o ano de ler mais crítica e teoria literária; o ano de conhecer outras realidades, e de entender que o mundo é um só.

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Foto: Renato Pessoa

A construção da coletânea Cinco inscrições da mortalidade (que percorreu o ano inteiro na sua construção) traz uma felicidade enorme: a de estar entre artistas e amigos únicos desses dias e de nosso lugar, e creio sim!, que esta é uma obra que pontua nossas letras cearenses e reflete uma fresta do que se produz por cá, muito feliz de ser parte disso! O Passeio pelas ruas de mim [e de outros] surge como minha mais nova proposta literária, e sem dúvidas, a minha obra mais experimental (que pode dar muito certo ou muito errado hehehe), e que reflete de tudo o que bebi de influências até hoje, foi um passeio por mim mesmo, e um livro que foi surgindo e tomando corpo a cada dia. E depois disso tudo, o mais marcante foi ver minha poesia e meu poema-livro à cidade ganhar outros rumos, que sinceramente não esperava, mas sonhava! Ganhar o Prêmio Jabuti, da forma que foi, está sendo uma experiência tão única e tão brilhante que nada pode ser meramente comparado ao que já vivi. Sentir minha poesia invadir outros rios, outros trilhos, outras terras, está sendo algo que me pulsa na carne! Sentir a alegria de amigos, de artistas, de meu povo é algo de uma imensidão que não sei se cabe em mim entender tudo isso. Muito feliz de poder viver e dar vida a estes momentos…

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…e 2018, apesar dos pesares, fica!

Felipe Castro e o afogar do sentir

Felipe Castro no espetáculo Da Cor de Laranja
Felipe Castro no espetáculo Corpoco

Conheço Felipe no rascunhar de encontros que a vida nos ofertou pelas terras firmes na ribeira do Acaraú em Sobral. Ele sempre com uma força (imagética, inclusive) enquanto humano, que traz sem nenhum peso toda a energia do pulsar poético carne adentro, a nos inundar pela sua presença, sempre marcante, sempre presente.

Felipe tornou-se amigo. E cá, acolá pude acompanhar o seu registrar artístico sempre a provocar o sentir. Neste novembro turvo de 2018, pude sentir de perto seus dois últimos trabalhos, quando Da cor de laranja e Corpoco visitaram a Casa de Arte CriAr, em Varjota, da qual sou produtor.

Da cor de laranja é um ensaio de memórias a partir das possibilidades do sentir, e este se adentra ao tato, ao gosto, ao cheiro, ao ver, ao ouvir. O trabalho cheira a café (que também dá gosto), a alfazema, a cheiro de avó. É imagético e com cor de âmbar, de sertão, de introspecção, de casa de massapê. E sonoro, com chiado do debulhar de um terço, da conversa a pé de ouvido num alpendre sem luz. É um emborcar nas possibilidades do sentir. A sonoplastia rasante e rouca, e o audiovisual que pontua o  final do espetáculo nó-cegam o que ainda havia por ser mexido no sensibilizar de qualquer um. É um trabalho doce, profundo, e Felipe o formata com sua imagem, seus passos, sua fotografia, seu construir coreográfico, que é ofertado a todos com singelo pedido de licença, mas sem deixar de dar.

Já…

Corpoco é lancinante! O espetáculo tem uma parceria com o guitarrista Rodrigo Brasil, que faz a sonoplastia do trabalho, que por si só merece ser apontada. Sua guitarra rasante, pulsante e psicodélica alicerça todo o trabalho, além de todo o trabalho performático que Rodrigo realiza, necessário ao ambiente da obra. Felipe aqui, rompe seu corpo, se adentra, se destila (nele mesmo). Causa o caos e o traz – pulsa como nunca! e apresenta o seu estado entrópico na sua mais funda camada orgânica. A catarse é visível. É um descascar do ser corporal, ora de fora pra dentro, ora de dentro pra fora, que o procura e se afasta dele, numa briga pontual, como de uma serpente no perseguir de seu próprio rabo. É um desafio do ver. Do ver por dentro (da gente). É um devorar humano, que acontece a cada dia a cada um de nós. É um afogar por dentro.

Assim sendo, gratidão a Felipe por esse afogar, por esse mergulhar tão necessário do sentir. Ora de forma doce, ora cortante, e nunca igual a nada. Igual a Felipe.

Mailson Furtado,
ator e diretor teatral

Passeio pelas ruas de mim [e de outros] por Welligton Jr

CAPA FINAL.jpgCaro Amigo Mailson,

Pois bem, ao ler um pouco de seus escritos, sinto em primeiro momento um arrebatamento, em que sou jogado diante de espelhos, onde me vejo e vejo retratos do homem de nosso tempo; espelhos de algum modo de mim, de ti, de todos nós. Espelhos entre palavras, entre versos, entre metáforas e imagens, num conversar em que se misturam poema, crônica e conto, apresentando-nos estes que são retratos de mortes em vida, ou de vidas mortas.

Você, meu caro Mailson, recria e nos apresenta a seu modo esse que é o nosso Admirável Mundo Novo, um mundo sem vozes, sem plurais, sem expressões para além da expressão nenhuma; mundo repleto de pílulas, mundo cercado de cercas, de concretos, de consumos, de descartes, de relógios, vibrando num tique-taque sem face e sem voz, um tique-taque que nos aperta a garganta, nos sufoca o sentimento e tudo o que nos pulsa em desmedidas. Um tique-taque redundantemente estéril que (nos) pare mortos, num mundo onde a Poesia deve ser contida.

E você, descontente com isto, com este mundo, apresenta-nos sua Poesia – que não se contém nem se detém – em que você nos mostra e nos oferta seu olho, e nos convida a conhecê-lo, a passear por suas ruas e de seus mundos, de onde você não se afasta. Ao contrário: expressando-nos suas dores, lamentos, angústias e questionamentos, se afirma e afirma que faz parte destes mundos.

Como não o bastante, você nos empresta seus olhos para que também possamos passear por nossas ruas e pelas ruas de nossos mundos. E nos conduz, assim como você, a nos questionar: até quando o despertador pré-programado e o livro fechado? até quando 241 páginas por ler? Até quando não veremos a lua à noite? Até quando sentiremos saudade do barulho das chuvas? Até quando viraremos latas de refrigerante? Até quando? Até quando? A resposta a estas questões não sei, não sabemos. Mas sei que este seu-nosso passeio (se assim me permite), este espelho, este grito, é uma bela contribuição para que enxerguemos em meio às nossas cegueiras brancas, nós, estes homens cegos e duplicados, de que fala Saramago, e transformemos estas águas que nos escorrem às mãos e nos desmancham as faces, em verdadeiros barros, matéria-prima para construirmos nossas casas, para vivermos uma vida vivida, uma vida poética, no sentido grego do termo Poesia.

Diante de tudo isso, faço questão de nestas próximas linhas deixar ainda mais explícito o que penso: sua obra, meu caro Mailson, destila de um olhar político, é uma micro- resistência a esse panorama em que vivemos e a esses discursos de grandes bocas que nos engolem e que nos ensinam a nos engolir a cada segundo. É uma obra, portanto, de Poesia Histórica, Política, Identitária e de Resistência! Eis que nesse 31 de outubro, Dia Nacional da Poesia, te parabenizo muito por isto, meu caro Poeta Mailson Furtado, e te agradeço por compartilhar de tua Poesia comigo e com o Mundo!

Welligton Jr é poeta, psicólogo e
mestre em literatura comparada

da realidade que encontrei (sobre a poética de Inocêncio Melo)

Nenhum texto alternativo automático disponível.Inocêncio, como mero topônimo, já traduz poesia, imagine pontuando e apresentando o ser Inocêncio, o Melo, o poeta, que conheci boêmio em meio ao rascunhar de vidas a passar pelo Becco do Cotovelo, nas manhãs de sábado – a declamar versos, declarar amizades, a perder coisas de outra realidade, que por cá é o que mais nos interessa.

O poeta das terras engolidas pelo Dragão de José Alcides Pinto, Inocêncio Melo traz, numa edição primorosa, o seu labutar poético de três décadas (como o mesmo me disse na curva do becco), num vero passeio pela sua lírica e poética, que tanto já ofertou (e oferta) a poesia cearense.

de outra realidade das coisas perdidas é sua quinta publicação, e um verdadeiro compilado de sua poesia ao longo do tempo, uma antologia feita a próprio punho, das vozes que entoou neste trilhar. Inocêncio vai desde o lírico-simbólico à poesia marginal de protesto, a passar por uma temática transcendental humana e terrena, que se rasga em um poetizar de dentro pra fora de maneira introspecta, profunda, já característica de seu versejar, que possui um verso denso, potente, lancinante a desequilibrar uma leitura feita de forma reta e/ou rasa, esta não permitida!, ele, Inocêncio, não deixa. “Há poesia concebida com pecado”; há poesia à poesia em suas odes a poetas e seus trilhares, numa metalinguagem sem clichês; há outra realidade, esta de coisas perdidas, que este poeta das terras de Sobral nos ajuda a encontrar.

Grato poeta,

Mailson Furtado,
ator e diretor teatral,
por vezes, poeta.

à cidade por Felipe Ximenes

Resultado de imagem para versos como rotas urbanasQuando  comecei a ler à cidade, havia recém terminado o Poema Sujo de Ferreira Gullar, nitidamente percebi a forte influência, mas são livros completamente distintos. Enquanto Poema Sujo fora escrito de fora pra dentro, à cidade é um poema de dentro para fora e ora de dentro para dentro.  à cidade é um organismo vivo, não há  distinção de protagonismo, tudo é um só, cada personagem, cada objeto é uma célula e exerce sua função bioliterária, desde o badalo do sino ao Rio. Mailson retrata esse ciclo biológico de início e fim, ao começar o livro em uma transa – Cidade, em meio a tua carne te rasgo e penetro – relação essa que se finalizará com sua morte um dia – junto dos meus vinte e nove dentes … estarão expostos guardados numa gaveta de cemitério. Se cada objeto, personagem são células, o tempo personifica à cidade, seu temperamento sazonal, seu caráter. Manhã, tarde, noite setembro, novembro, essas marcações caracterizam seu humor, seu estado emocional, pois à cidade vive. E não é exagero que Mailson transa com poema, seu DNA, sua genealogia está toda impregnada nas páginas, na escrita, no não dito ali, à cidade é mãe, filho, esposa, amante é irmã. Ler à cidade é além de uma experiência literária, também é uma experiência biológica, e no fim não sei responder quem é criador e criatura: Mailson escreveu à cidade ou à cidade o criou pra ele assim escrevê-la?

Felipe Ximenes,
engenheiro civil e poeta

Carta ao amigo Mailson

À cidade Frente.jpgA poesia contemporânea tem voltado seu olhar para os centros urbanos. A poesia cearense, desde os Oiteiros do início do século XIX, sempre cantou as terras de Alencar & Cia. Como já bem retratado no ensaio “Evolução da poesia e do romance cearense” escrito pelo poeta Artur Eduardo Benevides que nos recorda que não são poucos os que cantaram a sua terra, o Ceará tem vários exemplos de poetas que dedicaram ao menos um livro a essa louvação da terra natal, seja ela cantada de forma nostálgica ou apontando críticas sociais o Ceará, de modo geral, é a musa de nossos poetas.

O livro à cidade, recente trabalho poético de Mailson Furtado, assim assinalados: título poema e autor em minúsculas como bem modela as expressões literárias de nossa modernidade. Interessante título esse à cidade que evoca uma ambiguidade característica dos versejadores contemporâneos. O longo poema de Mailson, internamente, faz citações de forma e conteúdo que nos fazem remeter a outros bons poetas de nossa contemporaneidade como Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, os poetas concretos: Dércio, Haroldo e Augusto, Gerardo Mello Mourão e José Alcides Pinto. O poema-livro à cidade mostra que a poesia pode, e deve, versar sobre o que bem lhe convier. Mailson honra a longa tradição da poesia moderna e, porque não, a da poesia cearense feita na região norte que já nos revelou importantes poetas, músicos e artistas plásticos. Queria eu poder estar perto do meu amigo e dizer-lhe o quanto fico feliz em saber que ele tem construído uma obra que vem se solidificando cada vez mais e o quanto me orgulha ser seu contemporâneo, a longa distância me impede a conversa na calçada mas não a redação deste breve comentário.

Abraço,
Léo Prudêncio
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Leo é poeta, autor dos livros
Baladas para um violão de 5 cordas;
Girassóis Maduros e aquarelas: haicais