Alforria e Raça: negritude e o fazer artístico varjotense

4º Alforria Fest no Centro de Arte e Cultura Francisco Antonio Pires Martins

O ano era 1999, eu – um moleque de 8 anos na 2ª série do 1º grau (como se chamava na época) do Colégio Joel Mendonça. Estava naquele instante conhecendo as primeiras coisas que gostaria pelo caminhar da vida, como futebol, leitura e fazendo os primeiros melhores amigos que tive. Tenho algumas imagens muito marcantes comigo daquele tempo, como o medo do fim do mundo na virada do milênio; algumas vitórias do meu time de futebol; dentre outras sem significado pra este texto; no entanto, uma delas, de uma turma grande treinando um nosso esporte que acabava de chegar na cidade, no pátio da escola que eu estudava: a Capoeira.

Neste ínterim, passaram-se quase duas décadas desde a apresentação daquela arte do já hoje Mestre Molejo (Lyderson Cordeiro) a toda população de Varjota, e com isso, e através disso, o movimento artístico-cultural local transformou-se no que é hoje, com uma política de atuação formada principalmente por grupos culturais perenes, antes inexistentes, ou em alguns casos específicos, não alicerçados por cá. O movimento de capoeira, hoje Alforria e Raça, foi o pioneiro disso tudo, onde já em 2000 já possuía tal articulação, e abriu caminho para que em 2003, viesse o grupo junino Luar do Sertão com a dança, e em 2006, o movimento teatral e musical.

Tal articulação coletiva, apesar de a primeira vista pareça osmótica e evidentemente óbvia, a perenidade de duas décadas, não. É uma conquista única, ímpar e de todos nós, não somente do grupo, mas da cidade. Por estimativa a olhos nus, por baixo talvez 10% de toda a população de Varjota tenha praticado ou conhecido a arte através da capoeira, que hoje está presente em escolas, projetos sociais e em eventos presentes no calendário anual da cidade, como o Alforria Fest, já há 4 anos reunindo grandes nomes da capoeira de todo o Brasil em Varjota, com a última edição realizada já neste agosto.

A arte/esporte capoeira não deu a este torrão, localizado entre o Acaraú e Ibiapaba, apenas uma nova proposta de alicerce coletivo ao movimento cultural, foi bem além disso, e trouxe pela primeira vez a bandeira da negritude, não somente para a arte, mas para todo este lugar. Não à toa, ainda hoje, é único movimento artístico de criação e manifestação negra presente por cá, isso por si só já ultrapassa os limites da arte e adentra no social, e nesse período sombrio que vivemos, de práticas e apologias racistas vindas de toda esquina, este grupo, Alforria e Raça torna-se necessário a todos nós, para que possamos ser antes de tudo, ser humanos melhores.

Axé!

Mailson Furtado,
poeta, ator e diretor teatral