Bonfim e sua máxima

WhatsApp Image 2019-01-04 at 18.02.18.jpeg

E vem 2019, apesar dos pesares que todo mundo sabe e blá blá blá, uma pitada de sal vem nos animar. Ou melhor uma grande pitada de SODIUM, o mais novo trabalho do multiartista Luciano Gutemberg Bonfim.

Luciano traz um projeto ímpar, com um poetizar, já seu, marcado em outros trabalhos. Mayara Pontes assina o projeto gráfico, uma proposta singela e feroz, que amplia a obra abissalmente.

O livro que já é o sexto trabalho do poeta de Crateús (e de Sobral, também!), traz a poesia no seu estado máximo, como indicada na própria obra, com a palavra condensada ao máximo limite, a ponto de reagir, de explodir, e explode!, com 51 macropoemas de meia linha, que só cabem nas letras de Bonfim, e na leitura do mundo todo.

Luciano passeia por perto, por longe, por temáticas tão distantes que se abraçam. Emborca o paradoxo ao avesso. Com sua voz cortante, beat, hippie, meio Arnaldo, com um enxergar adulto pueril meio Vinicius-menino, lírico como no brado dos Manoéis, pilhério como cearense, como cantador de verso sem letra daqui destas terras. SODIUM é pontual, é toante, é visual, é cantante, é infante, adulto sem idade – um dicionário de sensações, que vai no máximo do sentir.

Eis 2019, e Luciano nos abraça salpicando a poesia máxima que já não mais lhe pertence, mas já a mim também. Grato por isso.

Mailson Furtado

2018, fica.

2018, apesar dos pesares, da imensidão turva que nos trouxe pr’além, foi um ano que ficou. Foi, pra mim, um ano de experiências primeiras. Importantes e marcantes.

Todo fim de ano, gosto de ver o que aconteceu, sentir o quanto o foi vivido, e falar um pouco disso. Foi um ano intenso, com as mais diversas experiências… Trouxe de volta, minha escrita ao mundo blogueiro, que há anos havia deixado de lado (precisava dessa distância!), e reinventei esta vontade com o Re|Visão, este espaço que trago para falar de arte, com um tom mais crítico, principalmente para trabalhos apresentados cá pelas bandas da Zona Norte (ou mesmo interior) do Ceará (sentia e sinto falta disso!), com um olhar mais aprofundado de trabalhos artísticos tragos por e para cá, e foi meio que um ato político também, abrir espaço para quem eu acho que deve o ter, e não tem. Está sendo uma experiência magnífica, e muito feliz pra mim, pois em grande parte dos trabalhos que compõem o blog, é pela primeira vez que o artista ou coletivo, que mesmo possuindo um trabalho já de anos, recebe um retorno escrito. Fico feliz de registrar isso.

Este 18, pontua a realização de uma grande proposta que já acontecia desde 15, e que só agora pode tomar corpo, a Casa de Arte CriAr. O espaço que é a sede da CIA Criando Arte, da qual participo, atuo e dirijo, e que busca ser um espaço de vivências artísticas, diálogos e intercâmbios culturais, aqui por Varjota e Sertão da Zona Norte cearense. Este ano, a Casa toma sua plenitude. Traz ações e atividades que ecoam em todos que puderam se adentrar por lá, e através disso aprendi muito: a ser produtor, a ser mais artista! Tivemos a oportunidade de conhecer trabalhos magníficos desde o teatro à dança, da música às artes visuais de artistas de todo o Ceará (da serra, praia e sertão), além de ações de leitura que a biblioteca comunitária (a única de Varjota!), que está dentro da Casa, realiza.

A imagem pode conter: 1 pessoa
Sala de espetáculos. Casa de Arte CriAr.
A imagem pode conter: 1 pessoa, sentado
Clubinho de leitura na Biblioteca Comunitária Fca Nogueira. Casa CriAr.
A imagem pode conter: 4 pessoas, pessoas sentadas, mesa e área interna
Curso de Fotomanipulação digital. Casa de Arte CriAr.
A imagem pode conter: 2 pessoas, área interna
Exposição Pluralidade. Casa de Arte CriAr.
A imagem pode conter: 1 pessoa, sorrindo, dançando e em pé
Aulas de Ballet. Casa de Arte CriAr.
A imagem pode conter: 3 pessoas, pessoas no palco, pessoas tocando instrumentos musicais e atividades ao ar livre
Espetáculos. Casa de Arte CriAr.

Pra CIA Criando Arte foi um ano de alicerçamento, a Casa CriAr nos deu um novo gás em projetos, e tudo bem diferente de tudo que já fizemos, foi um ano de aprendizagem. Foi um ano de mais estudos, de pesquisas, de experimentações, de intercâmbios (sempre esse suspiro é fundamental pra gente, para seguirmos, e assim vamos!). No entanto, fizemos circulações bem marcantes em todo o Ceará com Tantos Nós, Estripulia e Boi CriAr, e mais uma vez registramos a nossa firmação em acreditar e resistir sempre, mesmo nestes tempos sombrios que vivemos para arte.

36795469_200309207337099_3404788057788907520_n.jpg
Espetáculo Estripulia. Casa de Arte CriAr.
A imagem pode conter: 1 pessoa, no palco e noite
Espetáculo Tantos Nós. Theatro São João
A imagem pode conter: 2 pessoas, pessoas sorrindo, área interna
Espetáculo Boi CriAr. Zona Rural Varjota|CE.

2018 finda com muita alegria. Foi um ano de firmação pra minha literatura, essa que produzo há certo tempo e este ano em si, trouxe-me coisas muito importantes, e não somente pelo Prêmio Jabuti. Este foi um ano de leituras distintas, pesquisa por artes visuais e por poesia visual; por experimentos poéticos destes dias; o ano de ler mais crítica e teoria literária; o ano de conhecer outras realidades, e de entender que o mundo é um só.

Nenhum texto alternativo automático disponível.
Foto: Renato Pessoa

A construção da coletânea Cinco inscrições da mortalidade (que percorreu o ano inteiro na sua construção) traz uma felicidade enorme: a de estar entre artistas e amigos únicos desses dias e de nosso lugar, e creio sim!, que esta é uma obra que pontua nossas letras cearenses e reflete uma fresta do que se produz por cá, muito feliz de ser parte disso! O Passeio pelas ruas de mim [e de outros] surge como minha mais nova proposta literária, e sem dúvidas, a minha obra mais experimental (que pode dar muito certo ou muito errado hehehe), e que reflete de tudo o que bebi de influências até hoje, foi um passeio por mim mesmo, e um livro que foi surgindo e tomando corpo a cada dia. E depois disso tudo, o mais marcante foi ver minha poesia e meu poema-livro à cidade ganhar outros rumos, que sinceramente não esperava, mas sonhava! Ganhar o Prêmio Jabuti, da forma que foi, está sendo uma experiência tão única e tão brilhante que nada pode ser meramente comparado ao que já vivi. Sentir minha poesia invadir outros rios, outros trilhos, outras terras, está sendo algo que me pulsa na carne! Sentir a alegria de amigos, de artistas, de meu povo é algo de uma imensidão que não sei se cabe em mim entender tudo isso. Muito feliz de poder viver e dar vida a estes momentos…

A imagem pode conter: sapatos

…e 2018, apesar dos pesares, fica!

Passeio pelas ruas de mim [e de outros] por Welligton Jr

CAPA FINAL.jpgCaro Amigo Mailson,

Pois bem, ao ler um pouco de seus escritos, sinto em primeiro momento um arrebatamento, em que sou jogado diante de espelhos, onde me vejo e vejo retratos do homem de nosso tempo; espelhos de algum modo de mim, de ti, de todos nós. Espelhos entre palavras, entre versos, entre metáforas e imagens, num conversar em que se misturam poema, crônica e conto, apresentando-nos estes que são retratos de mortes em vida, ou de vidas mortas.

Você, meu caro Mailson, recria e nos apresenta a seu modo esse que é o nosso Admirável Mundo Novo, um mundo sem vozes, sem plurais, sem expressões para além da expressão nenhuma; mundo repleto de pílulas, mundo cercado de cercas, de concretos, de consumos, de descartes, de relógios, vibrando num tique-taque sem face e sem voz, um tique-taque que nos aperta a garganta, nos sufoca o sentimento e tudo o que nos pulsa em desmedidas. Um tique-taque redundantemente estéril que (nos) pare mortos, num mundo onde a Poesia deve ser contida.

E você, descontente com isto, com este mundo, apresenta-nos sua Poesia – que não se contém nem se detém – em que você nos mostra e nos oferta seu olho, e nos convida a conhecê-lo, a passear por suas ruas e de seus mundos, de onde você não se afasta. Ao contrário: expressando-nos suas dores, lamentos, angústias e questionamentos, se afirma e afirma que faz parte destes mundos.

Como não o bastante, você nos empresta seus olhos para que também possamos passear por nossas ruas e pelas ruas de nossos mundos. E nos conduz, assim como você, a nos questionar: até quando o despertador pré-programado e o livro fechado? até quando 241 páginas por ler? Até quando não veremos a lua à noite? Até quando sentiremos saudade do barulho das chuvas? Até quando viraremos latas de refrigerante? Até quando? Até quando? A resposta a estas questões não sei, não sabemos. Mas sei que este seu-nosso passeio (se assim me permite), este espelho, este grito, é uma bela contribuição para que enxerguemos em meio às nossas cegueiras brancas, nós, estes homens cegos e duplicados, de que fala Saramago, e transformemos estas águas que nos escorrem às mãos e nos desmancham as faces, em verdadeiros barros, matéria-prima para construirmos nossas casas, para vivermos uma vida vivida, uma vida poética, no sentido grego do termo Poesia.

Diante de tudo isso, faço questão de nestas próximas linhas deixar ainda mais explícito o que penso: sua obra, meu caro Mailson, destila de um olhar político, é uma micro- resistência a esse panorama em que vivemos e a esses discursos de grandes bocas que nos engolem e que nos ensinam a nos engolir a cada segundo. É uma obra, portanto, de Poesia Histórica, Política, Identitária e de Resistência! Eis que nesse 31 de outubro, Dia Nacional da Poesia, te parabenizo muito por isto, meu caro Poeta Mailson Furtado, e te agradeço por compartilhar de tua Poesia comigo e com o Mundo!

Welligton Jr é poeta, psicólogo e
mestre em literatura comparada

Porta-Voz há uma década

20180630_213532-321090579.jpg

Era segundo semestre de 2006, um evento feito a pau e pedra e sem um centavo furado, foi a Mostra de Cultura, Diversão e Arte, da qual fui um dos ativistas na sua criação, como assim denomino minha participação naquela noite que dura até hoje, eu, moleque de 15 anos. Já era fim de noite, todas apresentações em cronograma já realizadas e para término, um palco aberto musical improvisado. Ali conheço Erasmo, em palco (já o conhecia, mas como vizinho): gritos, canções de protesto, palavras de ordem, uma verdadeira revolução para toda aquela geração de adolescentes ali presentes. O Portavoz de nossa geração surgia, como o mesmo intitular-se-ia dias depois, depois de outros tantos momentos como aquele.

2006 a 2008 foram três anos intensos de produção de arte em Varjota, como nunca antes, trabalhos que tinham como objetivo, vendo de longe hoje, de autoconhecimento, autoprovação e experiência do que aqueles artistas e sua terra, tinham a dar uns aos outros, seja no teatro, na capoeira, na dança, na música. Dentre os pilares daquele momento estava Erasmo, que trouxe uma das experiências mais inovadoras na história da música local (pra mim, até hoje, a maior): o rock politizado e progressivo dos Operários da Ruína, que ecoam até esses dias.

Muito do que os Operários trouxeram, além claro, de sua pesquisa musical, com influência da música regional e do rock progressivo do anos ’70 e Rock B’80, veio das composições precisas, toantes (até consoantes) de Erasmo, que entoam poesia, filosofia e o máximo de sentimentalismo popular, sem clichês, ao seu estilo próprio, subjetivo, que o destaca como grande trovador dessa vida única, presente e real.

Entre 2010 a esses dias, Erasmo passeou em outras experiências, como a literatura, com a publicação de vários folhetos de cordel e de seu primeiro livro, de crônicas, Sobre Gatunos & Viralatas, em 2016, pela editora Protexto, além de publicações de poemas em antologias Brasil afora; e a pesquisa histórica, em seu papel enquanto historiador, com trabalhos sempre voltados ao patrimônio cultural simbólico e imaterial. Nesse período tornou-se pai, estudante de música, e infelizmente órfão, e seu violão cochilou, apesar de sempre ativo em suas criações, de forma instrospecta e interior, mas em público, pela música mesmo, poucas apresentações, e idealizador e produtor de festivais locais, não em seu papel principal, o de artista, mas de ativista, como sempre foi e ainda o é.

Neste junho de 2018, após um hiato total de quase 2 anos sem aparições musicais públicas, Erasmo Portavoz traz seu novo projeto à tona, em voz e violão, o espetáculo Íntimo, lançado ontem (30|jun|18) na Casa de Arte CriAr, em Varjota. O show traz um repertório autoral vasto composto de vários momentos da carreira do compositor, com músicas já marcadas e entoadas pelo público (Insetos Amarelos, Algumas Horas, Singelo, Nascido pra Voar, Menina Heroína), como também por canções inéditas (SOS sós, Jaz na Areia). Um trabalho que revela totalmente o artista dos últimos dias: intimista, interiorano, trovadoresco. Com um violão cru e toante, vibrante e tocado como balanceio de quebra de mar, ou riacho, já que o poeta é de Sertão, Erasmo adentra dentro de si e se apresenta sem máscaras, como o é. Íntimo traz o público ao palco, que também se despe e sem medo se apresenta, e é parte do espetáculo, em conversas puxadas como bate-papo pelo próprio artista, sobre sua poesia, sobre sua música, sobre esses dias de todos nós, sem formalismos, como de fato a vida é.

Íntimo é político; é vibrante; é poético; como Erasmo, que há uma década porta uma voz poderosa aos nossos ouvidos, necessária. Feliz, fico, por conhecê-la, e bem mais que isso, feliz por conhecer de perto o portavoz musical de minha geração, que vive!

Mailson Furtado,
diretor e ator da
CIA teatral Criando Arte

Mailson Paiva permite a Varjota o contemporâneo

A imagem pode conter: 1 pessoa

O movimento cênico de Varjota data dos primórdios de sua povoação nos fins do século XIX, vindo principalmente da cultura popular, como Reisado de Caretas e Festejos Juninos. Esses trouxeram nos sapateados e bailados dos seus brincantes os primeiros passos de dança apresentados como forma de espetáculo a um público.

A dança, diferente do teatro como arte cênica, incrusta-se culturalmente a nós junto dos forrós e festas populares, e apresenta-se inicialmente por cá como uma arte e prática de “diversão individual” e não como um espetáculo para espectadores, que embora sempre presente em todos os cantos e em todos nós.

Não tão diferente da história cronológica do movimento teatral de Varjota, a dança caminhou os mesmos trilhos. A chegada de um novo panorama urbano para a localidade do Araras no início da década de 1960, com a educação de caráter regular, trouxe uma nova forma de produzir arte, e consequentemente dança, além da chegada de novos meios de comunicação como rádio e televisão, que trouxeram outras culturas, outros ritmos e outros trilhares coreográficos. Dessa forma, é inegável dizer que a produção artística em dança está estritamente ligada a ações advindas da escola, além das já tradicionais citadas (brincantes juninos e de reis), assim o papel da escola nesta produção artística por cá, permanece presente a cada dia e firma-se ainda, como lugar onde artistas conhecem e praticam seu primeiro fazer artístico (inclusive, não somente em dança).

Sem dúvidas, o grande marco histórico do movimento de dança em Varjota vem com o grupo junino Luar do Sertão, liderado pela professora Fransquinha Nogueira, na primeira metade da década de 2000, tanto na questão artística, como na questão de gestão de grupo, que junto da Associação de Capoeira Alforria e Raça, foram os primeiros grandes grupos culturais da cidade. Da Associação Luar do Sertão, com as atividades encerradas por volta de 2013, surge a primeira Companhia de Dança varjotense, liderada por Roniê Borges e William Sousa, em 2012, a CIA de dança Dançart, coletivo extremamente fundamental e marcante a toda a história local e regional nesta vertente artistica. Outros grupos depois se fixaram e trazem sua colaboração até esses dias, como o grupo de street dance, Street Crew do Distrito de Croatá dos Martins.

Neste maio/junho de 2018, um outro grande momento para a dança local surge, a grata alegria do trabalho em dança contemporânea de meu xará, Mailson. Cria da Luar (do Sertão) e da Dançart vem Mailson Paiva, dançarino popular por formação, que esbarrou/encontrou a dança contemporânea em distintas experiências em Sobral/Fortaleza, e a trouxe a nossos palcos. Talvez não tenha sido o primeiro a apresentar tal modalidade nessas terras (a própria CIA Dançart possui trabalhos com fragmentos contemporâneos), mas sem dúvidas, o primeiro a aprofundar-se nela, e nesse 2018 traz seu primeiro trabalho solo, intitulado Permita-se.

Permita-se é uma construção autobiográfica da vida de Mailson. É um trabalho extremamente simbólico, sugestivo, desenhado e pintado em tom de âmbar. O espetáculo começa com o dançarino ainda em feto, pulsando. Vem a infância, com trabalho, o catar de telhas diário a ajudar o pai (seu pai foi oleiro). Mailson traz movimentos que coloca toda essa rotina dentro de si, até a quebra total, a mudança de sua vida no conhecer a arte, simbolizada pela quebra de todas as telhas presentes em cenário e labutadas anteriormente. O espetáculo é cronológico, mas quebrado a cada instante e marcado. Mailson quebra cada momento a escrever a tinta cada experiência artística que viveu, mas cada palavra se incrusta em sua pele e traz a força de um ferro a brasa viva em sua carne, que passa a ser parte sua. Mailson desenha o tempo, o engole e finda o trabalho alicerçado nessas pilastras que encontrou, forte, pulsando como começou. O trabalho é de dança, mas confunde-se com o visual e o é. É performático, embora conclua-se numa instalação, onde o presente é escrito com a mesma brasa (tinta) de antes por todos os presentes, que se tornam tatuagens internas no borrar da tinta com o suor que pinga gota a gota ao chão, pela vida que acabara de apresentar.

Mailson Paiva inaugura, sem dúvidas, outro marco de nossa dança, fico feliz de ter presenciado e o abraçado em tal momento.

Mailson Furtado,
diretor e ator
da CIA teatral Criando Arte

Caras e Bocas e seus muitos fios

A imagem pode conter: 1 pessoa
Crédito: @carasebocasciateatral

O ano era 2006, começava a praticar e entender teatro, de uma forma ainda bem superficial com a CIA Criando Arte, e buscava de forma bem amadora produzir o grupo em cidades da redondeza de Varjota|CE (onde sempre morei), dentre elas, Reriutaba, cidade vizinha, com estreita ligação histórico-política com a terra do Araras, onde lá estava a CIA Caras e Bocas, sob direção artística de Leomário Muniz, que apesar de pouco tempo de existência de grupo, já possuía um repertório de trabalhos e circulações locais e regionais na bagagem, o que me fez entender e apresentou-me este mercado regional do teatro aqui existente, com demais grupos da Serra da Ibiapaba e Vale do Médio-Acaraú.

A CIA Caras e Bocas, neste contexto, foi de fundamental importância para firmação do fazer teatral em grupo em toda essa região, visto que a prática teatral na grande maioria das cidades interioranas era da montagem de trabalhos esporádicos e de apresentação única, vinda da dissipação daquele elenco, que na maioria das vezes, nunca mais voltava a produzir qualquer trabalho. Nesta primeira década de século XXI, vieram grupos|companhias, como: G.R.A.C. e C.I.A. em Guaraciaba do Norte, Criando Arte em Varjota, Mamulengos da Serra em Ibiapina, Caras e Bocas em Reriutaba, todas em atividades há mais de uma década, além de outros grupos já extintos, ou em atividades que começaram inspirados nesses, e sem dúvidas, a CIA Caras Bocas, nesse início (2005-2008), foi sem dúvidas, o grupo que mais se destacou e firmou este “novo” fazer teatral, ainda não firmado por estas bandas, e talvez o primeiro a manter repertório e circulações constantes.

Em 13 anos de atividades, a CIA Caras e Bocas sofreu um grande rodízio de elenco, embora sempre com a direção de Leomário, o que preserva desde seu início a estética do grupo: um teatro que preza o cuidado pela imagem, pela figura, sempre centrada nos(as) atores|atrizes; um teatro popular que não cai na mesmice de clichês imensamente repetitivos; a busca da convergência do teatro com outras vertentes artísticas, como a dança e artes visuais; um trabalho autoral em todos campos, desde dramaturgia até a direção; entre outras questões que vem desde Rerius: a origem de nossa taba, o primeiro trabalho do grupo (de 2005), até Por um fio, estreado ontem (3|jun|2018).

Nesta década, a poética do grupo passeou por inúmeros temas, que exigiram pesquisas únicas, que deram a CIA trabalhos que vão desde poéticas voltadas a historiografia local, a metalinguagem teatral, até o tema ‘transcendental’ de Por um fio, que é Vida e Morte.

Por um fio, texto e direção de Leomário Muniz, um espetáculo em 5 atos, apresenta de forma poético-dramatúrgica o duo Vida-Morte. Cada ato acontece isoladamente e é costurado com os demais, com números de dança, ora contemporâneos, ora populares, o que aproxima diversos públicos. O elenco formado por 7 atores|atrizes vem com um figurino ‘neutro’ que trazem simbologia ao terreno e ao transcendental, que adicionados a simples acessórios travestem diversos personagens.

O primeiro ato traz um diálogo entre juventude e velhice, montado de forma bem caricatural, e que aborda com um tom dramático em seus dois primeiros terços, e finda com uma grande quebra de expectativa, num tom que desliza ao cômico, pela dúvida|confusão sobre a conversação (vida ou morte?). O segundo, possui um tom trágico, narrado de forma araútica por um ancião oriental em segundo plano, que possui em primeira planificação, o instante último de vida, ou o primeiro instante da morte, da filha que é assistida pelo pai, falecer. O terceiro, vem conversar sobre suicídio, em um tom trágico-dramático, com uma abordagem, aos meus olhos, transcendental, cena vivida por dois amigos juvenis. O quarto ato,  em contraposição ao primeiro ato, é invertido, seu terço final é dramático, e seus dois iniciais, farsesco, cômico, com a figura estereotipada da Morte (que após intitula-se, Mistério), no entanto, de maneira muito feliz, repete-se a quebra de expectativa, que mistura o tom fantasioso ao de realidade. O quinto e último ato finda o espetáculo, é um ato de imagens sobre a morte, cortejos, caixões, velórios, é um ato de fantasia, talvez transcendentalidade, traz a figura de uma morte Viva, que é amplificada e ecoada ao fim do espetáculo, que fica.

Por um fio traz reflexões ímpares sobre a Vida e consequentemente sobre o Lhe dar com a morte e com certeza é um espetáculo que firma ainda mais a CIA Caras e Bocas no cenário teatral desta Zona Norte Cearense, e um trabalho que muito tem a galgar e crescer ao caminhar por estes fios que mapeiam palco a palco do fazer teatral.

Mailson Furtado Viana,
Diretor artístico e ator
da CIA Criando Arte

Saltimbancos e a nova poética do teatro varjotense

A imagem pode conter: 1 pessoa
Crédito: Renancio Monte

Os primeiros relatos sobre teatro nas terras varjotenses, decorrem do fim do século XIX, com festas populares e folclóricas em alpendres e festejos de padroeira, e tem como primeira aparição e embasamento, assim como todo o teatro nordestino, o teatro popular lusoafroindígena, que permaneceu aqui, exclusivo, até o fim da década de 1950.

Com a mudança e a criação do panorama urbano da atual cidade, a partir da década de 1960, surge um novo teatro, este estudantil, que se manteve único até a primeira metade dos anos 1990, e ainda hoje é vivo, embora com a presença de um movimento teatral independente, dos quais, a CIA Criando Arte (da qual dirijo), e o grupo Saltimbancos, fazem parte, dentre outros.

O grupo Saltimbancos com pouco mais de 3 anos, já com 5 trabalhos, formado por crianças e adolescentes, constrói a cada dia sua carreira enquanto grupo artístico e se consolida de vez, na história do teatro local. Neste último sábado (12|mai|18), o grupo apresenta pela primeira vez, seu primeiro trabalho autoral, as Crias do Mundo, que mudam radicalmente sua estética e poética até então realizada, não menos importante, mas essa certamente mais inovadora.

As Crias do Mundo, trabalho de pesquisa conjunto do grupo, com direção e texto de Roniê Borges, apresenta um paralelo entre a infância na seca e de refugiados do oriente médio de crianças órfãs, literalmente criadas e moldadas pelo mundo, na busca do sustento e do amanhã. O espetáculo é construído em recortes não-lineares, que ao fim se entrelaçam e se unem na construção de um final único. A dramaturgia é envolvente e mistura diálogos a declamações araúticas em poemas, ora na literatura popular, ora não, e montam um grande jogo entre os atores (ainda em iniciação, mas com grande potencial para crescimento como tais).

O trabalho é vivo, em cor, possui um tom de âmbar e muitas influências teatrais das últimas décadas, como o teatro pobre de Grotowski, o teatro cruel de Antonin Artaud e a poética política presente em Brecht. É um trabalho rico, conceitual.

Nosso teatro, feito por muitos grupos, mas talvez pelo mesmo público, após passar por uma longa fase na produção de comédia de costumes (ainda feita por alguns grupos), logo depois vir com experimentos de teatro surreal pela CIA Criando Arte entre 2009/10/11, e de teatro popular, realizado por todos os grupos, firma uma nova poética e apresenta ao público novas propostas estéticas cênicas, onde já estavam presentes espetáculos como Tantos Nós e Transitórios da CIA Criando Arte e agora, AS CRIAS DO MUNDO. Nosso teatro transborda, a cada dia mais vivo. Ganhamos todos: público, artistas, a arte.

Mailson Furtado,
Diretor e ator teatral
da CIA Criando Arte